Noções básicas de como funciona um processo

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O mundo digital levou às pessoas conhecimento superficial sobre quase tudo.

Com um clique, qualquer pessoa tem acesso a um vídeo ou a um tutorial sobre como preparar um determinado prato de comida, como consertar um carro, como preparar uma bomba caseira e as opções são infinitas.

As pessoas que consultam um médico já avaliaram previamente seus sintomas e já sabem qual o melhor tratamento para sua “doença”. Às vezes já chegam no consultório contando o resultado da sua pesquisa, às vezes ficam testando o médico com perguntas capciosas para avaliar se o profissional é “competente”.

No mundo do Direito, muitas pessoas se comportam da mesma maneira. Decoram conceitos jurídicos e expressões técnicas e pensam que todos as situações são iguais e resolvidas com uma fórmula única.

É salutar que as pessoas estejam mais preparadas sobre os mais variados assuntos. Ainda que de forma superficial. Isso proporciona um debate mais produtivo e até mesmo indica para a pessoa se aquele profissional que ela está consultando tem um raciocínio coerente e se foi capaz de angariar sua confiança. E a relação cliente x advogado está fundada totalmente na confiança que o cliente tem naquele profissional.

A experiência de quase 30 anos de profissão me mostrou alguns conceitos jurídicos que os leigos acham que dominam porque leram num site qualquer ou ouviram a respeito numa conversa, mas que na verdade desconhecem o assunto.

Vamos a eles.

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I – Quais são as etapas de um processo?

Um processo começa com uma petição inicial apresentada pelo Autor da ação. É nessa petição que o Autor explica os fatos e formula seus pedidos (procedência da ação). Assim se inicia o processo.

O Réu é comunicado da existência desse processo (citação) e tem um prazo para se defender, apresentando sua versão dos fatos e requerendo que o Juízo rejeite os pedidos formulados pelo Autor (improcedência da ação).

O Juízo permite que o Autor se manifeste sobre a defesa apresentada (réplica) e as partes podem produzir as provas que julgarem necessárias (oitiva de testemunhas, perícia, etc.), desde que o Juízo repute as provas necessárias.

Podem ser designadas audiências (solenidade em que as partes comparecem em Juízo para uma conciliação ou para prestar depoimento e/ou ouvir testemunhas).

Esgotada a fase de instrução o processo é julgado pelo Juiz de Direito (sentença).

A parte que foi derrotada pode recorrer da sentença mediante a apresentação de um recurso.

O recurso é julgado por um Tribunal (Tribunal de Justiça). O julgamento é realizado por 3 Juízes, que no âmbito do Tribunal são chamados desembargadores. A decisão dos Desembargadores é denominada acórdão.

Há casos em que contra o acórdão pode ser interposto um novo recurso, que será julgado pelo órgão do Poder Judiciário hierarquicamente superior ao Tribunal de Justiça (ou o Supremo Tribunal Federal – STF ou o Superior Tribunal de Justiça – STJ).

A partir do momento que não há mais recursos cabíveis ou a parte derrotada optou por não utilizá-los, a decisão judicial se torna definitiva (trânsito em julgado).

Esse andamento bastante simplificado de um processo é apenas para que o leitor tenha uma idéia geral de como um processo se desenrola. Há inúmeras situações jurídicas que podem afetar esse andamento linear do processo acima descrito (agravos de instrumento, nulidades processuais, reconvenção, procedência parcial da ação, embargos de declaração, ação rescisória, etc., etc., etc).

Mas para a proposta inicial desse artigo, o andamento acima descrito é suficiente.

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II – O que é uma “Liminar”?

As pessoas tendem a achar que sempre têm razão e que por isso o advogado deve “pedir uma liminar para o Juiz”. Acham que liminar é uma decisão que vai lhes dar razão no processo e que vai resolver seu problema.

Liminar é uma decisão judicial proferida no início do processo (ou depois da apresentação da contestação) para garantir a efetividade daquele processo. Há requisitos objetivos previstos em lei para sua concessão, aliados à avaliação subjetiva do Juiz de Direito que examinará a conveniência e necessidade da concessão da liminar.

As situações em que ela pode ser concedida dependem, grosso modo, da verossimilhança do direito e da urgência para evitar o perecimento do direito. O Código de Processo Civil vigente criou a figura da Tutela Antecipada (tutela de evidência ou tutela de urgência). Em linhas gerais, sem ingressar em discussões técnicas, a Liminar e a Tutela Antecipada cumprem o mesmo papel.

Um exemplo clássico pode ser elucidativo: uma pessoa tem que fazer uma operação de emergência (Autor) e a administradora do plano de saúde (Ré) se recusa a liberar a cirurgia sob a alegação de que o plano não “cobriria” aquela doença.

Cabe ao Juiz de Direito decidir se a cirurgia deve ser autorizada ou não. Contudo, há casos que o Autor da ação (segurado) não pode aguardar o desfecho do processo (trânsito em julgado), pois corre o risco de morrer ou sua saúde piorar no curso do processo.

Nesse caso, diante da urgência do caso, o Juiz de Direito concede uma liminar (ou tutela antecipada) determinando que o Autor seja operado imediatamente. Se no final do processo o Juiz de Direito chegar à conclusão de que a Ré tinha razão (improcedência da ação), ela terá o direito de reivindicar do Autor os gastos que incorreu por conta da cirurgia.

Observe-se que o exemplo acima reúne os requisitos exigidos para a concessão de uma liminar. A vida é o bem maior das pessoas e como tal deve ser assegurado, sempre.

Entretanto, a verdade é que a maioria das pessoas confunde “pressa em resolver seu problema” com direito a obter uma liminar.

Imagine a situação de uma criança que foi abandonada pelo pai (ou pela mãe, tanto faz para o exemplo) aos 5 anos de idade e deixada com a mãe. 5 anos depois (por exemplo), o pai reaparece e quer conviver com o filho de novo (direito de visita). Exige que o advogado “peça uma liminar para o Juiz” com esse objetivo, porque está com saudades do filho e como pai tem o direito de visitá-lo como qualquer pai separado faria.

O pai tem direito de conviver com o filho? Claro que sim. Em situações normais ele tem a obrigação de ter essa convivência, sob pena de restar caracterizada alienação parental.

Mas é o caso de conceder a liminar? Provavelmente não.

Nesse caso prevalece o interesse do menor. Há outros fatores a serem avaliados para expor a criança a essa situação de stress logo no início do processo. Haverá a necessidade de avaliação psicológica dos envolvidos, de fazer uma adaptação aos poucos sobre a nova situação criada, etc.

Sendo assim, importante que as pessoas entendam que mesmo quando elas têm razão, muitas vezes não foram preenchidos os requisitos para a concessão de uma liminar.

III – Celebrei um contrato e a outra parte não está cumprindo as obrigações contratuais dela. Posso deixar de cumprir as minhas também?

Atualmente, as pessoas celebram contratos (muitas vezes bastante extensos) para formalizar direitos e obrigações que antes eram fruto de uma combinação verbal.

O leitor desse artigo que passou da casa dos 60 anos se recorda como era mais simples adquirir um imóvel ou um veículo ou contratar um pedreiro para uma reforma do que ocorre nos dias de hoje. E os exemplos são vários.

Porém, nos dias atuais as pessoas estão mais litigiosas, ou seja, tendenciosas ao conflito imaginando sempre que a outra parte quer lhe “passar a perna”. Estão sempre criando cláusulas que engessam as relações, como se toda cláusula de um contrato em seu favor fosse protegê-las de um prejuízo futuro.

Sendo assim, como os contratos têm a pretensão de prever todos os percalços da vida moderna, quando uma das partes descumpre uma obrigação contratual, a outra já imagina que esse fato lhe autoriza a agir do mesmo modo, pois “não é justo eu continuar honrando minhas obrigações se a outra parte não está”.

O artigo 476 do Código Civil estabelece que: “Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”.

Portanto, usando um provérbio português como explicação, “um erro não justifica o outro”.

O descumprimento de um contrato por uma parte (parte “culpada”) autoriza a parte “inocente” a iniciar o procedimento para obrigar a parte “culpada” a continuar cumprindo suas obrigações, sob pena de não o fazendo o contrato ser rescindido.

E a rescisão do contrato, quando não feita de forma amigável, exige a interferência do Judiciário para decretá-la.

Logo, a parte que se sentir lesada por eventual inadimplemento contratual da parte contrária não pode agir da mesma maneira. Deve recorrer ao Poder Judiciário para resguardar seus direitos.