- setembro 14, 2020
- Dr. Alfredo Rizzo
- Geral
É comum ouvir as pessoas comentarem que plano de saúde e seguro de carro é melhor pagar mesmo sem utilizar.
Entretanto, quando chega a hora de utilizar, a expectativa do consumidor (que pagou por anos a fio a mensalidade) é de que não haverá nenhum aborrecimento quanto à internação hospitalar, cobertura do plano, demora para aprovação de exames etc.
Há situações, contudo, em que o plano de saúde cria embaraços que são solucionados apenas após a intervenção do Judiciário.
Seguem alguns exemplos:
Tabela de Conteúdo
Cancelamento do Plano de Saúde por Falta de Pagamento
Via de regra, um contrato tem direitos e obrigações recíprocos.
No caso do plano de saúde, a principal obrigação do cliente é pagar pontualmente a mensalidade.
A principal dúvida é: se eu atrasar o pagamento da mensalidade o plano de saúde estará automaticamente cancelado?
A resposta é não.
O atraso de até 30 dias no pagamento do boleto não autoriza o plano de saúde a rescindir o contrato, até porque dentro desse prazo é possível quitar o boleto bancário arcando com a multa moratória (a maioria dos boletos bancários relativos a planos de saúde permitem o pagamento até 30 dias depois do vencimento).
Quando o atraso é superior a 30 e inferior a 60 dias, a posição do consumidor se torna mais delicada. Primeiro, porque ele deve providenciar a emissão de um boleto de pagamento atualizado, pois o anterior não pode ser quitado diretamente. Segundo, porque o plano de saúde tem a obrigação de encaminhar um aviso de cobrança noticiando a pendência e alertando que o inadimplemento superior a 60 dias pode acarretar a rescisão contratual.
Sendo assim, o consumidor deve regularizar essa pendência dentro do prazo de 60 dias contados do vencimento do boleto que está em aberto, sob pena do plano ser rescindido por inadimplemento contratual.
Há situações em que o plano de saúde, mesmo após o prazo de 60 dias, não cria dificuldades para restabelecer o plano, desde que quitada qualquer pendência financeira.
Todavia, há outras em que o plano se “aproveita” do inadimplemento para “eliminar” um segurado que lhe trazia muitas “despesas” (imagine um segurado cuja saúde é debilitada e frequentemente sofre internações hospitalares e/ou trata moléstias graves e que exigem vários procedimentos).
Para as situações em que o plano de saúde se recusa a reativar o plano, muitas vezes o Judiciário é provocado para coibir abusos, conforme mostra a decisão abaixo:
“Plano de saúde. Rescisão unilateral pela seguradora. Inadimplemento de apenas uma parcela. Inadmissibilidade. Inteligência do art. 13, parágrafo único, inciso ii, da lei n. 9.656/98. Hipótese em que as circunstâncias do caso e a conduta da requerente indicam a ausência de má-fé.
Demandante que, após ser notificada, procedeu à quitação do débito, dentro do prazo de 60 dias a que alude o referido comando normativo da lei 9.656/98. Mensalidades subsequentes que permaneceram sendo adimplidas com regularidade. Restabelecimento do contrato que se revela acertado. (TJSP; Apelação Cível 1026920-27.2019.8.26.0002)”.
Doenças Preexistentes
Essa questão gera bastante controvérsia.
De um lado, há pessoas que “espertamente” contratam um plano de saúde buscando tratamento para uma doença que já era de seu conhecimento. E ocultam essa informação da operadora de saúde quando contratam o plano.
De outro, há pessoas que não tinham conhecimento dessa doença e quando ela se manifesta, o plano de saúde se recusa a cobrir o tratamento alegando se tratar de uma doença preexistente.
O Judiciário tem julgado situações assim levando em conta a demonstração de boa-fé das partes, como se vê na decisão abaixo:
“Seguro saúde. Recusa na realização de ato cirúrgico. Alegação de preexistência da moléstia. Admissão da segurada sem o prévio exame. Recebimento das parcelas e pagamento das despesas médicas sem ressalvas. Negativa ofertada após vários anos da contratação. Nulidade de cláusula contratual reconhecida. Dano moral.
Negativa esposada quando a segurada estava prestes a ser operada. Tratamento ofensivo dispensado pelos prepostos da empresa à segurada. Ofensa à intimidade da autora comprovada. Indenização devida. Valor limitado ao alcance da lesão. Redução da indenização. Recurso parcialmente provido.
(TJSP; Apelação 9121979-05.2002.8.26.0000)”
Recusa do Plano em Cobrir o Tratamento Médico Recomendado
Muitas pessoas preferem ser atendidas por médicos particulares (não conveniados ao plano de saúde).
E se o tratamento recomendado pelo médico particular não for aceito pelo plano de saúde, que entende que o tratamento correto seria outro, ou se o tratamento prescrito não estiver previsto no plano contratado?
Mais uma vez o Judiciário intervém. E o entendimento que prevalece é o seguinte: o bem maior de uma pessoa é sua própria vida; se o tratamento recomendado pelo médico particular tiver respaldo técnico, cabe ao plano fazer a cobertura.
Um exemplo dessa posição do Judiciário:
“Plano de saúde – Autor portador do Transtorno do Espectro Autista (TEA) – Negativa de cobertura ao tratamento terapêutico multidisciplinar pelo método Therasuit e Bobath, bem como equoterapia, prescritos pelo médico especialista, sob alegação de ausência de cobertura contratual – Aplicação do Código de Defesa do Consumidor – Súmula nº 102 deste Egrégio Tribunal de Justiça – Rol da ANS que não pode ser considerado taxativo – Agência reguladora que não pode limitar direito de forma a tornar inócuo o tratamento – Reconhecida defasagem entre regulamentações administrativas e avanço da medicina – Tratamento indicado por possuir a técnica mais atualizada – Escolha que cabe tão-somente ao médico responsável e ao paciente – Negativa de cobertura abusiva – Dever da operadora de fornecer integral tratamento ao segurado, conforme prescrição médica. (TJSP; Apelação 1002565-95.2019.8.26.0472)”
Reajuste do valor da mensalidade
As pessoas mais velhas tendem a ficar mais doentes que as pessoas mais jovens. Essa é a regra que justifica o reajuste das mensalidades à medida que o segurado envelhece (o custo desse segurado vai aumentar à medida que ele for envelhecendo).
Mas e os reajustes abusivos?
O Judiciário também intervém para evitar situações de abusos financeiros. Mesmo porque, o segurado pode ter pagado o plano de saúde por décadas e, quando chega a necessidade da contraprestação da operadora, o valor da mensalidade atinge valores muito além das suas possibilidades financeiras e o plano é cancelado por falta de pagamento.
“Plano de saúde individual. Reajuste por faixa etária (72 anos). Necessidade de previsão contratual, respeito aos limites e requisitos legais e observância ao princípio da boa-fé objetiva. Orientação do STJ firmada no REsp. 1568244/RJ, com rito de eficácia vinculante. Cláusula contratual que prevê o reajuste de 5% ao ano, após o beneficiário completar 72 anos. Duplo reajuste (etário e anual). Contrato anterior à Lei nº 9.656/98 e não adaptado. Aplicação da Súmula Normativa nº 3/2001 da ANS. Percentuais sequer previstos contratualmente. Ilegalidade. Vedado tratamento diferenciado ao idoso em razão de sua idade (art. 15, § 3º, da Lei nº 10.741/2003). Abusividade. Vedação à aplicação de percentuais desarrazoados ou aleatórios que, concretamente e sem base atuarial idônea, onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso. Controle jurisdicional. Possibilidade de interferência no conteúdo econômico do contrato. Majoração aleatória que representa manifesta desvantagem do segurado em relação à operadora de saúde. Afronta ao disposto nos arts. 51, IV, XII e § 1º, III, e 39, V, ambos do CDC. Devolução simples das parcelas cobradas a maior, respeitada a prescrição trienal (artigo 206, §3º, do Código Civil). Orientação do STJ firmada no REsp nº 1360969/RS, com rito de eficácia vinculante. Sentença mantida Recursos desprovidos. (TJSP; Apelação Cível 1007054-06.2019.8.26.0011).
Agravo de instrumento – Plano de saúde – Obrigação de fazer – Incidência de reajustes expressivos na faixa etária dos 59 anos – Hipótese de concessão da tutela de urgência – Embora não se desconheça a importância do contraditório e a possibilidade de reajuste dos planos de saúde por sinistralidade ou por variação de faixa etária, qualquer tipo de abusividade deve ser proibida, devendo haver clara demonstração dos critérios utilizados para majorar os preços das mensalidades. Recurso improvido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2063042-91.2020.8.26.0000)”.
PLANO DE SAÚDE – REAJUSTE POR MUDANÇA DE FAIXA ETÁRIA – Insurgência contra reajuste de 107,95% do plano de saúde após o beneficiário completar 50 (cinquenta) anos de idade – Recurso repetitivo recentemente julgado pelo C. STJ que dispõe que não devem ser aplicados índices desarrazoados que impliquem em onerosidade excessiva ao consumidor – Redução para 30%, de rigor, até que se realize a necessária perícia atuarial durante a fase de liquidação de sentença – Recurso provido em parte. (TJSP; Apelação Cível 1082986-24.2019.8.26.0100)”.