Relações Trabalhistas durante a Pandemia

Com o decreto da quarentena em diversas cidades, paralisação de negócios em vários segmentos de mercado e uma forte retração da atividade econômica, empresas e empregados estão preocupados com sua sobrevivência.

O Estado busca ajudar as empresas e os empregados com a edição de normas trabalhistas específicas para esse período de pandemia, além da renúncia fiscal ou postergação de pagamento de alguns tributos.

O Estado também busca auxiliar trabalhadores informais, com o chamado “coronavaucher”.

O que estabelece a legislação trabalhista recém editada e que se aplica às relações de trabalho formais?

As Medidas Provisórias 927/20 e 936/20 buscam garantir os postos de trabalho existentes, flexibilizando algumas regras previstas na CLT.

Medidas que não necessitam do consentimento de funcionário

São alguns exemplos dessa flexibilização: antecipação das férias e feriados (com pagamento do terço constitucional apenas em dezembro de 2020) e suspensão do recolhimento do FGTS entre os meses de março e maio de 2020 (esse período será pago em 6 parcelas sem juros a partir do mês de julho de 2020).

As providências acima podem ser tomadas pelas empresas sem o consentimento dos empregados.

Medidas que dependem de acordo com funcionário

Há outras medidas, que dependem de um prévio ajuste individual ou coletivo entre o empregador e o empregado.

São elas: (i) redução da jornada de trabalho e do salário (até 70%, por até 90 dias) e (ii) suspensão temporária do contrato de trabalho (até 60 dias).

O acordo entre a empresa e o empregado deverá ser norteado pelo bom senso de ambos.

O empregado deve levar em conta que a atividade econômica está paralisada em diversas áreas e seu empregador enfrentará dificuldades para honrar suas obrigações financeiras, sendo certo que a manutenção do emprego nesse momento e no curto prazo será muito importante para ele, pois o período de recessão “pós crise” diminuirá bastante a oferta de emprego.

Logo, manter o emprego agora é uma vitória.

O empregador, por sua vez, deve ter a sensibilidade que a fonte de renda da esmagadora maioria dos seus empregados provém apenas do salário, razão pela qual a redução do salário não poderá ser tão grande a ponto de impedir que o empregado mantenha suas condições mínimas de sobrevivência.

Manter o empregado x rescisão contratual

Logo, manter o empregado agora, pagando menos e evitando os custos da rescisão contratual (verbas rescisórias), também é uma vitória.

Dito isso, recomenda-se que o empresário – principalmente o de pequeno e médio porte – avalie se ele conseguirá atravessar essa crise com as inovações legislativas e se terá capacidade financeira de manter intacto seu quadro de empregados.

Apenas com essa avaliação é que ele deverá implementar as alternativas permitidas em lei.

Por que essa avaliação prévia é fundamental?

A resposta é simples.

Porque o legislador, ao mesmo tempo que busca alternativas para que o empresário não demita, também criou penalidades para a empresa que demitir o empregado – sem justa causa – durante o período de garantia provisória.

Essas penalidades estão previstas no artigo 10, §1º, da Medida Provisória 936/20.

Portanto, recomenda-se não agir por impulso agora. Se nesse momento é inviável manter todos os seus funcionários, deve ser considerada a hipótese de realizar as demissões necessárias, quitando corretamente as verbas rescisórias.

Acordo individual com o empregado demitido

Haverá casos mais graves em que o empresário – principalmente comerciantes de pequeno porte, os mais afetados pela quarentena – não terá condições de pagar as verbas rescisórias dos seus empregados demitidos.

O enfrentamento desse problema é complexo.

Uma alternativa é celebrar um acordo individual com o empregado demitido, que depois deverá ser homologado em Juízo.

Certamente o Judiciário terá sensibilidade para detectar acordos feitos de boa-fé, dentro da real possibilidade do empresário (ou seja, situações em que não houve abuso da situação hipossuficiente do empregado) e que se preocupou em não deixar seu empregado demitido lançado à própria sorte.

Não havendo condições financeiras de demitir o empregado, mesmo com o pagamento parcelado das verbas rescisórias, o conflito acabará se tornando judicial.

Nesse caso, acredito que há 2 teses em Direito que serão postas à prova do Judiciário nos próximos meses.

A Teoria da Imprevisão

De um lado, a teoria da imprevisão e a aplicação do conceito do motivo de força maior.

Ou seja, se um evento extraordinário e além das forças do empresário causou um desequilíbrio contratual, sua situação perante os empregados deve ser analisada de forma excepcional?

Por exemplo: a pandemia obrigou o Estado a tomar medidas de contenção do vírus e, por esse motivo, o comércio foi fechado por ordem do poder público.

O empresário, sem faturamento nenhum, pode ser compelido a pagar as verbas rescisórias do empregado demitido, aplicando-se a regra geral da CLT? Ou deve ser criada uma regra nova para essa situação excepcional?

A Teoria do Risco de Negócio

De outro lado, temos a teoria do risco do negócio.

Por essa teoria, ao empregado não pode ser atribuído o risco da atividade econômica, mesmo porque ele é a parte hipossuficiente nessa equação.

Logo, para o empregado é irrelevante o surgimento da pandemia e as consequências dela advindas, restando intacto seu direito ao salário e ao pagamento das verbas rescisórias conforme a regra geral, em caso de demissão sem justa causa.

Caberá ao Judiciário enfrentar essa dicotomia nos próximos meses, pois não faltarão casos em que ambas as teses serão confrontadas.

Minha opinião é de que o Judiciário encontrará um ponto de equilíbrio para as teses, levando em consideração cada caso concreto e, principalmente, o grau de boa-fé do empregador que efetivamente tentou negociar a demissão do empregado em termos razoáveis.

O empregador que impôs condições abusivas provavelmente será penalizado. E o comportamento do empregado que foi inflexível para realizar o acordo também será levando em consideração.

Contudo, por enquanto, o que vale é a regra editada pelo legislador e ela não resolve o problema de grande parte dos empresários cujas atividades estão totalmente paralisadas.

O Judiciário, aos poucos, deverá encontrar caminhos para solucionar esses conflitos futuros.